sexta-feira, 27 de novembro de 2009

JUNHO 1999

Que morreram ou renasceram os vanguardas, os -ismos multiplicados com areias na praia, e do eterno sabemos apenas que é a sombra do pó dos tempos, petrificado por acaso de descoberta: o sangue, o suor e as lágrimas sempre são gestos de romance quando são dos outros, e eu nunca existo porque estou de passagem.

Podemos (pudemos) ser os últimos românticos, os primeiros positivistas, os futuros ciberpunks, os reis da Etiópia, os fazedores:

Do maior romance do mundo.

Da única música digna de ser ouvida

Do quadro eterno, cristalizador de todos os longos olhares de sempre.

Pudemos até ser.



1- Então, de repente, damo-nos conta de que este é o melhor dos mundos, essa coisa das classes sociais e outros anacronismos invenções dos maus para nos dividirem, estamos é todos no mesmo barco, no amor da pátria e da Europa, de Deus.

Louvada seja a cultura ocidental e a raça branca: ámen.

Chegados à hora do testamento, descobrimos que não temos nada para deixar, por isso não vale a pena pensar mais nisso.

na época de todas as Utopias, pasmamos neste quotidiano classe média/funcionalismo público, a ver que mais havemos de comprar para encher este tédio, esta insegurança lenta e incompreensível, a impotência de não pensantes:

como única esperança, o sorriso musculado e as pernas dos anúncios, os marcianos e as férias de quinze dias a torrar ao sol.

2- Velhos velhos e jovens velhos vêem passar a História e não se dão conta de mais nada que não seja o seu umbigo, climatizado e asséptico, embalado segundo todas as normas de mercado para as palmas do clã durante quinze segundos de passagem nos média áudio-visuais.

É a hora dos arrependidos de tudo o que não fizeram sequer, dos vencedores que cada dia ganham mais vinte e quatro horas como mortos.

3- Há, é claro, a África, mas os pretos, bem vistas as coisas são uns inúteis que para pouco mais servem que para as nossas obras de caridade… e também, que diabo, crescem como coelhos, se não morrem uns tantos ainda nos vão é dar problemas.

Há, é claro, os chineses, mas a gente faz-lhes outra muralha à volta e pronto.

E aquela cambada da América do Sul, sempre a partir coisas, e esta cambada de marginais prontinha para nos roubar a pasta de dentes e os ditos cujos propriamente ditos: mas o mar é tão grande, e depois a grande USA aí está, atentinha, (ao menos até os japoneses acabarem de a comprar, claro) e aos outros a gente manda a polícia, que para alguma coisa se paga aos polícias, não? E eles que se entendam.

Há os velhos, que nos chateiam – mas ao fim a ao cabo pouco duram e a gente mete-os em casa com lacinhos e pratos de papas de cereais e fibras até que acabem.

Há os jovens, mas esses também não duram, depressa ficam velhos, e entretanto a gente ocupa-os aí pelos montes a espreitar os ursos, ou a jogar à macaca e já sobram poucos a partir vidros e a envergonhar-nos com porcarias.

Há… tanta coisa, caramba, tanto trabalho para a sociedade… e a gente com tão pouco tempo.

4- Ainda bem que o exército nos defende dos marcianos, e as fábricas de armamentos investigam e produzem tranquilamente e em paz (e assim estaremos preparados se os deuses se aliarem e desembarcarem, cheios de maus intentos, na madeira).

Tão bom. Malditos sejam, apenas, os que não têm a sote de ter nascido com um chafariz na praça, e uns Camões na cabeça, e o Afonso Henriques em Guimarães…





Por mim, bem muito obrigado. Estou ultrapassado e se calhar não gosto de ser feliz: os meus ódios e os meus amores terão sempre um rosto e um nome. As minhas utopias estão para lá de atravessar a rua, nas estrelas. A minha pintura é o meu tempo, para lá das capas de poliéster cor-de-rosa, compradas no super mercado ou na boutique da moda. Como intelectual, dizer isto é uma merda, nunca será substituído por nenhum eufemismo, o meu êxito é, simplesmente, estar vivo e atento: pensante.

Do que sempre desconfiarei é da factura.



No fim, também não importa. Daqui a cem anos, disto será apenas verdade o mar e as nuvens, o sol e as estrelas.

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