sexta-feira, 27 de novembro de 2009

1982 – in catálogo exposição – ETC – Museu Municipal de Caminha

Felizmente somos gente que sim, Senhora, todos bem muito obrigado, e por lá? Directos às coisas, sempre em dia através das melhores revistas e dos mais conceituados jornais, com a claríssima visão a preto e branco – ou nas autênticas cores naturais, o que vem a dar no mesmo – em reprodução reproduzida de reprodução, segundo as mais perfeitas e modernas técnicas:


e então é ver-nos, se em quinze dias corremos dezoito cidades e duzentos museus variados, prontos a servir, dois mil cabarés e a perfeita procissão de metropolitano, de sorriso nas fuças para o passante…

mas, íamos aí, somos gente em dia: ainda a última moda, a penúltima (ou a de há cinquenta anos!) não rebentou bem, já nós, catrapuz! Aí estamos – a mudá-la, virá-la, originalizá-la, que nesta coisa de seguidismo não somos tipos para menos.

Olhamo-nos ao espelho, encontramos aquela imagem difusa que é privilégio dos nossos olhos embasbacados modificarem em nitidez e requinte – apanágio do Pensamento português desde Afonso Henriques, ou, sabe-se lá, Viriato – e aí vamos de velas soltas:

é «retro» que diz a gazeta? não ficamos por aí, sai retrosaria, «abstracto»? sai borrão em abundância e montes de esquemas, que nisto somos como os melhores de lá de fora e temos mais a tradição;

e mais todos os «istas» de agora e sempre:

surrealistas coniventes com todos os poderes, à procura de lugar na história da sua rua, impressionistas serôdios, realistas de faca e alguidar, e os outros – os das procissões de defuntos, das paisagens de bilhete postal e cachos de uva sem bicho, do desenho: de fossa séptica pintado às cores a vinte paus a hora, e floristas de água de lavar pratos, interventores de sala alcatifada, mestres de obras coloridos de rosa deslavado e verde desgraçadinho, actores de quinta, boémios de recolher obrigatório, libertinos de papel selado e revista pornográfica, libertários de farda e número nacional, senhores de gravata, burocratas da especulação, e mais todos os saudosistas, todos os oportunistas de todas as oportunidades, arrivistas, num estendal de esperteza saloia e mediocridade…:

construímos um país de estilhaços recortados de jornal na guerra dos outuros. Se é para acomodar, que maravilha, a tibieza mascarada por altos-brados, a impotência com monumentos nas praças públicas e apoio oficial, mestres de roda de café ou monte de sucata: mestres de banalidades e da falência, que, valha-nos deus, nisto é outra coisa que somos fortes.



É claro que somos acima de tudo um país de poetas – e ainda havemos de os ter formados pela universidade católica de Aljustrel, com canudo e tudo, e é muito bem feito – país de poetas aos quinze anos, como qualquer outro, assim se fica nessa poética lamechas e lambida, nem sentado (de cócoras) à espera da noticia do amanuense da critica, ou dos outros, conforme a sorte (ou o azar) nos «obriga» à «província de que nunca queremos assumir a autênti cidade criativa, ou nessa grande capital de nível europeu!, mundial!, com as suas quinhentas almas e um milhão de idiotas à espera nas bichas:

Que críticos também os há internacionalizados, pedantemente sentados num álbum de recortes, trinta e duas palavras-chave para a cabala de cada qual, mais a enciclopédia da verbo, ou, viva o luxo, as edições em fascículos do Brasil, o larousse ilustrado, mais quatro conferências nas estranja a aprender (e bem!) como se faz a coisa:

começa-se por cartões de visita – uma centena é um bom número e sai mais barato – continua-se em artiguinho de jornalzinho, acaba-se nos grandes meios, diz-se «mass media», que, também ao mais alto nível internacional, são o caixote do lixo de todo o mau cheiro e etc.. Bate-se junto com duas lojas de retalho, também em óptimas mãos e com as cabeças coroadas nos nimbos dos eleitos, trinta gajos pedinchantes e dois ou três assim que tal coisa, um toquezinho de corrupção oficial a enfeitar, e está feito:

esferográfica de carga reforçada, uma resma de papel, o chorrilho ininterrupto por entre altares de incenso rançoso e capelas escalavradas pelo mau tempo: a obra de uma vida, nas cadeias do alambazamento mútuo, enquanto não vêm as áreas de repouso com lindo arvoredo e regatos e anjos a tocar pífaro, que é onde, diz-se, acabam os pobres de espírito.



E que toquem os sinos, já é uma grande coisa. Terra de retalhos de pano de estopa, letras e trinta dias com juros por fora, relógio de contrabando no prego, não teremos o que merecemos, mas merecemos o que temos: política de fotocópia ronceira, cultura de reader’s digest, os restos da inquisição embrulhados em papel de estanho para não se lhe notar a podridão, o chato do Camões e todos os outros chatos que lhe seguiram as pegadas louvaminhas da epopeia, povo à procura por toda a parte (até que lhe caia na cabeça), menos no fundo da terra, daquilo que não é seu mas devia. –

- Para além disso, moscas, que são úteis ao equilíbrio, mas dá gozo que se farta espalmar na parede quando chateiam demais.



Resta a consolação de, no meio da rebaldaria nacional – e mais além – haver ainda espaço para algumas formas de gozo, por falta de funcionamento da organização que nos porá, carimbadinhos de números iguais, a par do mundo – (que nós, tipos de cultura superior, não queremos nada com selvagens e outros brutos.



«eu gosto muito da minha terra, a minha terra tem o sol a andar à volta. no verão há turistas e neste a guerra no Líbano, ciclistas, centrais nucleares para poupar velas. maus que põem bombas e bons que põem polícias.

E até, imagine-se, Russos e Americanos para além de pretos e brancos e mil milhões de chineses.

os índios, os lobos e as ervas, esses é que estão a acabar».

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