Coze-se a massa em água temperada com sal e depois escorre-se. Coloca-se num prato de serviço, às bolinhas, e ao centro põe-se o atum. Cobre-se com maionese e enfeita-se com tirinhas de pimentos morrones, azeitonas e flor de laranjeira.
É evidente que este princípio já fora enunciado em 1946 no catálogo da Philips França. P. III (autor anónimo), quando se afirmava: «Por exemplo, na rubrica «BALLET», que vem na secção clássica, podem encontrar, no lugar alfabética da palavra ballet, a lista de todos os nossos discos de música ballet.» (1)
Ainda assim não se podem negar as variantes fundamentais entre o primeiro sistema e o actual, mais rico em síntese, mais elaborado na dialéctica presumida entre o ser e o não ser – a obra e a ausência de obra. Evidentemente que a ausência de obra é imensamente mais rica em potencialidades (2), ainda que menos actuante a nível do sensível, esteticamente definido pelo cromatismo evidente nas tirinhas de pimentos morrones e azeitonas.
Não deixou a crítica especializada, com a visão brilhante e aguda que a caracteriza e se lhe reconhece, de ligar ainda a componente filosófica materialista (massa temperada de sal) contraposta ao idealismo aristotélico-tomista claramente assimilado à jesuítica e inquisitorial flor de laranjeira.
Obviamente, dir-me-ão, todo o artista é um suspeito (ainda que alguns sejam apenas suspeitos de ser artistas, e em todo a caso a isso teria que responder (valendo-me de inatacáveis autoridades) «esses excêntricos são ajustáveis». (3)
Em todo o caso, penso que todo o pensamento genial deve ser deixado escrito, para auxílio da humanidade e glória da nação a que pertence o seu autor. Não podia assim, em boa fé, eximir-me a exprimir o meu – ainda que a sua publicação surja demasiado tardia para que possa ser objecto de seminário em sede competente, integrado na DÉCIMA SÉTIMA como corolário do génio português – tanto mais que esse pensamento é fundamental à compreensão crítica da minha estética.
E tudo o mais de que os meus detractores me acusem – preocupações com o poder do Poder, a fome, a exploração, a revolta e a revolução, a guerra imperialista, a poluição, a incomunicação, a solidão do Homem (e outras baboseiras) – tudo isso é falso, produto de destemperados espíritos mesquinhos:
Toda a minha busca, gira realmente, em torno desta grande questão fundamental: «De onde caíram as bebidas?» (4)
É que não é impunemente que se nasce, nas praias de Portugal.
NOTAS –
1 citado por Boris Vian. L’ Automne à Pékin-1956.
2 sobre a riqueza da ausência de obra e suas potencialidades, veja-se, para mais detalhes, a política de subsídios em Portugal: estatal, para-estatal e outros.
3 «A Mecânica na Exposição de 1900», Paris, Dunod ed., tomo 2, p. 204.
4 James Joyce, Gente de Dublin, ed. port. Livros do Brasil, p. 163.
SEM SENSO
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MARIA TEREZA BRAZ
SEM SENSO
Sabes Teresa
minha vizinha ,
tu que te entreténs
a alimentar as pombas
todas as manhãs,
não podes também saciar
os gatos v...
Há 4 anos
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