sexta-feira, 27 de novembro de 2009

DISCURSO SOBRE A ARTE

Fica-se assim, parado, embasbacado na frente da televisão a ver as coxas às tipas que anunciam outras coisas – tão lindas, não são? – para compara a prestações. E não se dá pela mosca que esvoaça senão para lhe dar um tiro tau! a bomba atómica: dos insectos, dos ventos iluminados pelo sol, da noite sem fantasmas atavicamente colados à pele.

Fica-se assim, à espera do salário no fim do mês, das massas cravadas ao amigo, à espera de um tecto de imigrado – igualzinho igualzinho ao das revistas, do vizinho, do sr. dr.

Fica-se assim, sentado no espaldar alto das ideias geniais (embrulhadas em papel de seda e tiras de renda cor de rosa) numa masturbação vagarosa do ventre a inchar, a inchar, a olhar superiormente os vãos mortais, do estrado alto e embandeirado por altifalantes sempre mudos de academia de génio bolorento e leituras respigadas nas colectâneas de obras escolhidas.


-------- TAU! espalma-se um lagarto contra o chão de cimento armado, fixam-se as olheiras da indiferença. E esperam-se sempre: a vinda da chuva, da primavera, de deus todo poderoso, do emprego, do ordenado, dum filme do lelouch, do catálogo das tintas, que passe o cancro, que nasça bem o menino, não haja guerra nesta terra, morram os inimigos. O autocarro, a bica, não chova na cama. Que.


E morre-se. A toda a velocidade. Na competente velocidade dos computadores, da informática, da super industria da fome, do saber complacente (absoluto) entre paninhos de crochet, meias ponteadas, rimmel para as pestanas, jogos de futebol e notícias de inundação na china.


Fica-se, no super projecto da proveta, limpo, asséptico, anodizado, polvilhado de talco perfumado, asseado, lavado em sabonete de óleos sintecticos, purificado – só, entre as benesses do estado, as sacanices do estado, as reformas do estado, os poderes do estado, os donos do estado: triturado, pindérico, anilhado, numerado, registado, apertado, enlatado, medido, conferido, espancado, controlado, comandado, amestrado, embrulhado em papel de jornal, e fio de nylon.


Fica-se: sobretudo nunca perante si próprio e a neblina sobre um prado verde de rebentos novos.


E não me venham com o vosso herói positivo a mudar a cada estação da táctica, a cada sínodo episcopal, a cada subtom da tinta.

o herói positivo é o quotidiano do futuro sem horas, a liberdade nascida das cinzas de nós próprios e de tudo.

DE TUDO!

O herói positivo será o quotidiano que vem dentro de um ano, um século, dez mil anos.

Mas vem – e vindo não precisa de herói positivo para nada. Ou então não vem e também não são precisos heróis nenhuns nas cinzas calcinadas desta: diz-se civilização.

Depois o importante são aquelas meias a secar que ninguém viu, as pedras de cor gamadas pelos putos de corrida, o azul das asas de libéula – coisas que os críticos, se encontram por acaso como pedras no sapato, empalham nas enciclopédias, carregadas de signos cabalísticos que nunca tiveram (felizmente).

Depois o importante é não haver fome nos vizinhos ali ao lado, formigas mecânicas a sair dos laboratórios do pronto a usar, o direito de estar sem fazer nada: de estar-se nas tintas!

Quero lá saber que uses meias amarelas ou um braço pendurado no nariz. A única unidade é a diversidade global absoluta – desfardada. E o contrato social: impinjam-nos aos lobos.

Viva a alcateia.

Ah! Diz-se que a diferença entre Arte (ah! Ah! Ah!) gratuita e não gratuita, é ambas serem gratuitas.

Ainda bem.

E obrigado pelas vossas palmas e assobios: se esperáveis definições ou profecias (ou.) fico à espera que as encontreis e pregueis na praça pública: eu não estarei lá.

1980- 14 a 29 Junho, Salão Nobre da Câmara Municipal – Vila Nova de Cerveira

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