sexta-feira, 27 de novembro de 2009

1976 – in catálogo – salão da Cultura (antigos paços do concelho) Viana do Castelo

Nasci em 1950, por acaso


não sou dr., nem condecorado, nem rotulado

nem nada

Quando era pequeno, matei uma borboleta que enterrei no quintal; essa borboleta era um avião inimigo e tinha nas asas uma cruz gamada, e um cifrão.

Cresci até um metro e 72, e depois parei.

«Um dia de manhã acordei e disse: sou pintor –

Não sou (pinto) mas nessa altura estava convencido disso».

Hoje estou convencido de outras coisas.



Faço bonecos, cuspo, lavo a cara de vez em quando

e não procura nada:

encontro.



Quando morrer, ainda vai haver muros a dividir as terras (que eu sei disso), tipos de pata em cima de gente que não sorri:

mas um dia acabará, tenho a certeza.

Por isso quando morrer, descanso, - digo: paz.

E como, «graças a deus sou ateu», entro tranquilamente no ciclo natural, sem receio, sem medo, sem terror.

_______________________



Comprem, meus senhores, comprem!

E quem não comprar ao menos pode ver:

tenho aqui, os monstros – mais que as

mulheres barbadas ou serpentes

aqui estão os malabaristas e os palhaços

os ladrões e os vadios os trabalhadores

E os actores

Também tenho retratos autografados de senhores

engravatados, cartazes de cidades e outras maravilhas

Aqui não se engana ninguém – toda a gente sabe

à entrada que é mentira.



1- Venho contar histórias, das terras por onde não andei

das coisas que vi e que não vi, no meio destas cobras

que sobem desde um cesto (e sem ninguém tocar flauta)



2- falo, digo eu, das crianças tristes de um bairro qualquer

que não são meninos, das mãos com calos das pernas com varizes

de pessoas que até passam por nós na rua.

falo, digo eu, de coisas que vocês conhecem (e eu não, que só as vi passar) de cidades poluídas e dos campos das montanhas

como de coisas que vêm nos jornais.



3- E aproveito de passagem para apontar com um dedo



4- a ordem e o progresso, os deuses e os escravos

o dinheiro os chefes as nações – vivam os policias que disparam as armas para manter o ópio

vivam os Senhores e essa burguesia de discreto

encanto liberal

a continuidade



5- É mentira, meus senhores

mas se ninguém acusa ninguém, que deus nos livre,

ao menos temos a feira deste tempo que se fosse de revolução era de festa

mas não é



6- Vendo, retratos de meninos tirados para o padrinho dr.

paisagens de terras onde sou estrangeiro

- que o meu país ainda é longe e não o lembro

mas também forças de escravos que se libertam



7- Pinturas, que pinturas tenho para vos enganar os olhos,

momentos instantes passageiros sem mais história que uma reacção química, não é.

arte não vendo, que arte é cavar a terra, levantar casas,

fazer o pão e o telhado ao som dum canto

Arte é cada naco desgarrado do pensamento de cada um de vós

- e não o vendeis,

porque nem se pode.

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